Tempos tenebrosos são esses em que vivemos. Há muito nos iludimos com a ideia de que estamos vivendo em uma democracia laica. Eu, particularmente, acreditava que não veria mais nos livros de histórias que a religião foi responsável por um escândalo político. Assisto, espantado, não apenas a corrupção do Estado Democrático de Direito, mas sendo realizado por segmentos religiosos conservadores.
O caso mais recente em que o Ministro da Educação do Governo Federal se diz comprometido em atender pedidos de liberação de verba negociados pelos pastores indicados pelo atual Presidente da República, é no mínimo, assustador. Um gabinete paralelo, onde dois pastores se colocam a disposição de prefeituras para negociar dívidas e liberação de verba junto ao Ministério de Educação como se fossem parte do governo. O ponto em que mais fico pasmo, é a denúncia de um determinado prefeito de que um dos pastores “negociadores”, pediu um quilo de ouro para empreitar essa ação para favorecer sua prefeitura. Absurdamente, nem presidente, nem ministro e nem eleitores do presidente vêm nessas ações algo abominável. É tudo intriga da “oposição”. E a ética, tão sofrida, tão esquecida, tão execrada, caminha a passos largos para a lista de extinção.
A religião, em sua cruzada para dar sentido à vida, à existência, é distorcida em sua essência para dar lugar a uma religiosidade tóxica que deturpa a sua própria razão de ser: Apontar caminhos. Não se pode dizer que não esteja apontando caminhos, mas na verdade, os religiosos e suas religiosidades tóxicas, transformam os caminhos da religião em atalhos da subsistência gananciosa. O povo, também sofrido e confuso, fica em meio a discursos “é”, “não é”, “pode ser” ou “talvez seja” e a verdade, tão sonhada e desejada, é o que menos importa, porque o sofrimento, também está eliminando a ética. Nesses momentos, quem fala mais alto, quem fala mais vezes, quem tem o poder da fala atrai com promessas e juramentos baseados nas necessidades, na ilusão de uma vida melhor sem mudanças de sistemas, de caráter ou mesmo, realidades. Não se enganem, nesta sociedade em que estamos, ninguém, nem nada tem falado mais alto e mais vezes do que a religião. É esta quem tem determinado o estado em que se encontra nosso tempo atual.
Será que ainda a religião é um instrumento que pode ser usado contra a opressão? Será que ainda a religião é um caminho para o diálogo ou se transformou em um atalho para a dessegregação?
Ao contemplarmos o cenário atual onde a religiosidade e religiosos optam pela mentira, pela violência e desonestidade, o panorama não me parece nada animador. O discurso religioso é uma força, não há dúvidas, mas toda força, por mais poderosa que seja, precisa ser direcionada, não manipulada. Quando o discurso religioso (e me refiro não apenas sobre palavras direcionadas a um público especificamente religioso, mas a ouvintes que são alcançados de alguma forma por esses discursos) é recebido, que sinais estão sendo passados? Que símbolos são evocados? Um quilo de ouro é o preço de uma religiosidade? É o preço de uma espiritualidade?
O silêncio ensurdecedor que vem das igrejas cristãs sobre esse caso de propina diz muito a respeito do momento em que estamos vivendo. A roda da história não para! Continua a girar e nos constranger! E o eco da pergunta e a tristeza da resposta continuam a me atormentar:
Que tempos são esses? Tempos que, por um punhado de ouro, se vende a alma!
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